entre o verdadeiro amadorismo e o profissionalismo

Quantas vezes profissionais ou empresas quando falham são desqualificados com comentários do tipo “quanto amadorismo”?! Entretanto, “que falta de profissionalismo” seria mais adequado e por trás do que verdadeiramente deveria ser denominado como amadorismo está uma força muito poderosa, talvez inalcançável por simples recursos financeiros.

——- ——-

É comum ouvir as expressões “quanto amadorismo!” ou “faltou profissionalismo!” utilizadas para desqualificar pessoas ou empresas ou instituições que não cumpriram adequadamente com suas funções. Existe entretanto uma imprecisão (ou mesmo uma injustiça) quando a palavra “amadorismo” é utilizada em um contexto no qual se pretende ressaltar justamente a falta de profissionalismo.

Os termos amadorismo e profissionalismo podem ser usados para qualificar modos diferentes de atuação. Seria mesmo possível colocar o amador e o profissional nos dois extremos de uma escala, considerando essa interpretação equivocada do amadorismo. O amador desempenhando uma função em nível mínimo e o profissional em nível máximo. E diferentes níveis entre esses dois extremos.

A questão é que o amadorismo não é o oposto do profissionalismo!

É necessário entender com clareza o critério empregado para a construção desse espectro. Existe de fato um espectro de diferentes modos de atuação entre o amadorismo e o profissionalismo, mas o amadorismo não é o oposto do profissionalismo no que diz respeito à qualidade do resultado final de um trabalho ou de uma carreira ou de uma determinada situação.

O amador e o profissional se diferenciam no que diz respeito ao modo como se dedicam aos seus propósitos. E, resumindo muito, o amador se dedica ao seu propósito com paixão e sem esperar retorno financeiro daquilo que ele faz, enquanto o profissional se dedica com racionalidade ao que faz e espera um retorno financeiro disso. Na grande maioria dos casos, esse retorno financeiro pretendido pelo profissional serve diretamente para sua sobrevivência.

Em extremos de um espectro, o amador seria a emoção e o profissional a razão.

Elementos para um melhor entendimento dessa diferença podem ser buscados no trabalho do psicologo americano Abraham Maslow. Ele mostrou que as pessoas usualmente se dedicam às suas atividades visando (segundo uma sequência de prioridades) inicialmente suprir suas necessidades básicas, ou seja, sobrevivência, depois procurando alcançar reconhecimento social e, por fim, tentando encontrar satisfação pessoal em suas atividades.

O reconhecimento social poderia ser entendido de um modo muito simplificado como uma contra partida concedida pela sociedade aos serviços prestados pelo profissional. É o salário recebido pelos assalariados ou o pro labore de empresários. A satisfação pessoal seria buscada por quem tem a questão financeira de algum modo resolvida ou por quem prioriza o interesse que tem por um assunto ou por determinada situação.

Seria possível ainda identificar um terceiro ímpeto nesse panorama que é aquele representado pelo entusiamo. O entusiasta, aquele que não executa mas que acompanha, talvez não fosse nem um amador e nem um profissional, mas ele sempre tem uma parcela de participação. O entusiasta poderia ser comparado ao torcedor de futebol, ao leitor de livros ou àqueles que se dedicam a acompanhar alguma banda de rock ou alguma figura da mídia.

O caminho natural da vida seria então chegar à satisfação pessoal após ter obtido reconhecimento social. Entretanto, muitas pessoas se tornam entusiastas de algum tema ou de algum clube de futebol ou banda de rock. É claro que não existem regras nesse processo. Muitas pessoas também escolhem temas de interesse para obterem “satisfação pessoal” que são diferentes daqueles com que lidam profissionalmente para obter “reconhecimento social”. Não existem regras!

Esse “caminho natural” também pode ser entendido com as contribuições de Maslow. Ele argumentou que todo ser humano se sente motivado, em diferentes intensidades e de diferentes maneiras ao longo da vida, no sentido de realizar seu potencial de um modo pleno. É essa motivação que leva às escolhas profissionais, à conquista de reconhecimento social e finalmente a encontrar satisfação pessoal. Escolhas que dependem da personalidade e das motivações de cada pessoa.

Os amadores então são aqueles que de dedicam a uma determinada atividade sem esperar um retorno financeiro dessa dedicação. Os amadores se dedicam a essa atividade buscando satisfação pessoal, usualmente com muito mais empenho do que o necessário, em outras atividades, para suprir necessidades básicas ou para obter reconhecimento social. Um empenho usualmente desprendido e mesmo apaixonado!

A palavra “amador” vem do francês (ou possivelmente do latim) e significa “amante” ou “amante de”, sendo usada para quem se dedica a alguma atividade por impeto pessoal e sem a expectativa de receber qualquer tipo de compensação ou pagamento por essa dedicação. Amadorismo seria então a arte de dedicar a determinada atividade sem esperar retorno financeiro.

A origem da palavra já é portanto bastante eloquente no que se refere à intensidade de dedicação a um determinado fim. Os amadores são auto-didatas e muitas vezes atuam sem qualquer treinamento especifico. Na medida em que usualmente se dedicam às suas atividades sem que ninguém mais o tenha feito antes, os amadores nem encontram quem os treine.

Dois exemplos típicos de amadores seriam os radioamadores e os astrônomos amadores. As conquistas obtidas em suas carreiras como amadores são mais importantes do ponto de vista pessoal do que se for considerada a sociedade como um todo. Entretanto, mesmo com recursos limitados, muitas vezes seus progressos pessoais podem se refletir em progressos científicos ou tecnológicos.

O ímpeto que impulsiona os amadores no sentido do cumprimento de seus objetivos, quase sempre auto impostos, é muito poderoso. Muitos movimentos importantes ao longo dos séculos, mesmo que tenham envolvido retornos financeiros, foram iniciados ou alavancados em algum momento por amadores. Apenas um ímpeto dessa natureza pode por exemplo embasar um genuíno processo de industrialização.

E como se referir então a um profissional que não cumpriu com suas responsabilidades de modo adequado? Talvez “pouco profissional” ou “insuficientemente profissional” sejam suficientes.

Ou talvez ainda (e simplesmente)… “incompetente”!

———- — ———-

Este texto também foi publicado (parcialmente) pela seção dedicada à sociedade do blogue português Obvious Magazine como entre o verdadeiro amadorismo e o profissionalismo.