As cidades e as estradas estão tomadas de automóveis consumindo petróleo e emitindo gases poluentes. Esses automóveis atuais, por incrível que possa parecer, não são muito diferentes dos automóveis de 30 ou 40 anos atrás. Os automóveis elétricos poderiam substituí-los, reduzindo o consumo de combustíveis fósseis e as emissões. Mas por que os elétricos ainda não invadiram as ruas? Será por algum lobby de fabricantes?
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O automóvel representa um símbolo do desenvolvimento tecnológico de nossa sociedade moderna. É um meio de transporte ágil e que confere grande liberdade a quem possui um deles. O automóvel representaria um equivalente moderno ao cavalo dos caubóis que conquistaram o velho oeste. Além disso, sua produção e os desafios que ela apresentou nas últimas décadas impulsionaram um dos ramos mais poderosos da atual indústria de transformação.
Em algumas sociedades ele nem é tão importante, em outras sociedades é um bem familiar, devendo durar o suficiente para uma ou duas gerações, em outras, ainda, é substituído a cada dois ou três anos por modelos mais modernos. O automóvel é um símbolo de status pessoal para seu proprietário-condutor e um símbolo de poderio industrial para quem o produz.
Entretanto, a grande maioria dos automóveis consome petróleo e isso pode representar consequências nefastas. A energia contida nos combustíveis é aproveitada com uma eficiência bastante baixa, da ordem de 25% em automóveis novos e bem regulados. Além disso, o uso desses combustíveis em motores a explosão está sempre associado a emissão de gases poluentes.
Em uma época de preocupações com o meio ambiente, com emissões de gases estufa, de preocupações com o crescimento da população e de suas expectativas por qualidade de vida, de esgotamento de recursos naturais e assim por diante, os carros elétricos surgem na mídia como uma solução (senão para tudo pelo menos para uma parte dos problemas) e levam a uma pergunta inevitável… por que os carros elétricos ainda não invadiram as ruas?
A resposta a essa pergunta passa por reflexões profundas em vários ambientes e panoramas diferentes e este artigo nem pretende apresentar uma resposta completa. Vamos apenas refletir sobre alguns pontos principais relacionados com os carros elétricos e sobre quais alternativas podem ser adotadas para o transporte individual no nosso mundo moderno.
Um dos motivos para os carros elétricos ainda estarem longe de uma invasão das ruas é a limitação tecnológica da autonomia oferecida pelas baterias atualmente disponíveis. Automóveis a gasolina ou diesel facilmente apresentam autonomias da ordem de 600 km. Os automóveis elétricos dificilmente apresentam autonomias muito superiores a 250 km.
A indústria automobilística apresenta um certo lustro tecnológico, levando aos consumidores soluções inovadoras saídas dos bólidos da Fórmula 1 e evoluindo bastante em questões relacionadas com a segurança de seus ocupantes, mas demonstra na verdade um espírito bastante resistente às inovações mais profundas.
Como um exemplo, alguns motores que equipam automóveis e camionetas oferecidos por alguns dos grandes fabricantes podem ter recebido nos últimos anos acréscimos importantes, como sistemas de injeção eletrônica e transmissões modernizadas, mas encontram-se em produção há pelo menos três ou quatro décadas com poucas modificações em seu desenho básico.
Mas a indústria automobilística não é o mal-feitor de uma história de terror, privando os inocentes de uma solução para seus problemas. Muito pelo contrário, observam-se iniciativas bastante interessantes para oferecer soluções tecnológicas para veículos elétricos que se mostrem à altura daquilo que todos hoje têm acesso com os automóveis tradicionais.
Um outro motivo bastante importante para que os elétricos ainda não tenham invadido as ruas é que suas baterias precisam de energia e essa energia deverá ser gerada em algum tipo de usina. A grande parte da energia disponível atualmente é obtida de usinas hidrelétricas de grande porte, de usinas nucleares ou de usinas termelétricas a base de combustíveis fósseis.
Desse modo, os elétricos reduziriam a emissão de gases nas cidades, mas, com exceção dos locais que obtêm sua energia de usinas hidrelétricas ou usinas nucleares, os elétricos consumiriam energia que estaria associada a emissões ocorridas em maior quantidade no entorno de usinas termelétricas.
O Brasil é uma país privilegiado nesse sentido, já que obtém grande parte de sua energia de usinas hidrelétricas. Para o Brasil, os elétricos realmente representariam um decréscimo na emissão de poluentes. Um decréscimo de emissões nas cidades sem um acréscimo equivalente nos pontos onde a energia é gerada.
Porém, essa energia para os elétricos deverá ser obtida de usinas hidrelétricas e, ao menos atualmente, elas se encontram sobre carregadas. Essa sobre carga exigiu um aumento da demanda pela energia produzida pelas usinas termelétricas e a criação recente das tais bandeiras para uma melhor cobrança dos usuários.
Há países onde a energia é obtida em grande parte a partir de usinas nucleares e o aumento do número de elétricos levaria a um aumento indesejado da demanda por esse tipo de energia, que é associada a um tipo de poluição de prazo muito mais longo e a riscos diferentes e de consequências bastante piores que a emissão de gases poluentes. Os carros elétricos então não representariam uma evolução!
Há países onde a energia é obtida de usinas termelétricas que consomem combustíveis fósseis e nesses lugares os elétricos simplesmente deslocariam as emissões das cidades para as sedes dessas usinas. É claro que seria positivo reduzir as emissões nas cidades, mas isso poderia ocorrer às custas de um acréscimo possivelmente incontrolável nas sedes das usinas termelétricas.
Some-se a isso tudo o simples aumento da demanda pela energia obtida de usinas usualmente dedicadas “apenas” ao atendimento das cargas consumidoras atualmente atendidas. É difícil dar suporte a um aumento de demanda sem um planejamento extensivo e que pode exigir anos para ser plenamente atendido.
Então…. qual poderia ser a solução?
Uma alternativa poderia ser obtida com uma solução intermediária e temporária. Essa alternativa seria o emprego de motores híbridos ao invés de motores puramente elétricos. Os automóveis então poderiam ser equipados com motores elétricos para a tração dos veículos, substituindo os atuais motores de tração que consomem combustíveis fósseis. Esses motores elétricos seriam acompanhados de baterias, exatamente como é oferecido em automóveis puramente elétricos. Com a diferença que essas baterias seriam recarregadas com motores a explosão muito menores e muito menos poluentes porque não seriam responsáveis pela tração dos veículos. Nessa configuração, os motores a combustão interna poderiam ser muito pequenos, possivelmente equivalentes a motores de equipamentos pequenos, como cortadores de grama. Já existem veículos híbridos disponíveis no mercado, mas eles ainda contam com tração de motores a combustíveis fósseis, principalmente para não esbarrarem em uma certa resistência que ainda existe entre os compradores.
Finalmente… quando poderia ocorrer uma invasão das ruas pelos elétricos?
Os elétricos poderão invadir as ruas quando alcançarmos um desenvolvimento tecnológico que permita substituir em grande escala as usinas termelétricas (além das atuais usinas nucleares, que funcionam com base em fissão nuclear) por usinas a fusão nuclear e quando tivermos essa fonte de energia associada ao uso extensivo do hidrogênio. Daí as ruas estarão abertas completamente aos elétricos!
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Este texto também foi publicado (parcialmente) pela seção dedicada à tecnologia do blogue português Obvious Magazine em carros elétricos – por que eles ainda não invadiram as ruas?.